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  • Júlio Furtado

Educar para resolver problemas, e não para dar respostas


Pesquisas recentes dão ao Brasil uma posição nada animadora no tocante à capacidade de nossos alunos de resolver problemas. Tal resultado nos faz parar para pensar no por que isso acontece. O maior empecilho, a meu ver, para a formação de bons “resolvedores de problemas” está na crença da maioria dos professores sobre como se ensina e como se aprende. Essa crença foi adquirida ao longo da nossa vida escolar quando vivenciamos uma prática nada inspiradora no que se refere à solução de problemas. Na verdade fomos educados para dar respostas, de preferência exatamente iguais às que o professor apresentou.

Como consequência da escola em que estudamos, nós, professores, acreditamos numa relação ensino-aprendizagem passiva, na qual ensinar é falar e aprender é ouvir. Em decorrência disso, concentramos nossos esforços na transmissão de conhecimentos, acreditando que as competências se desenvolverão automaticamente.

Essa prática docente forma, quando muito, acumuladores de conhecimento que dificilmente conseguem fazer relação com a realidade. Ensinar alunos a resolver problemas exige uma didática desafiadora na qual as aulas precisam conter desafios simulados e o professor precisa ser um agente facilitador da compreensão e da busca de soluções. Sugerimos algumas posturas a serem adotadas em sala de aula para que possamos formar “resolvedores de problemas”.

A primeira delas é procurar novas formas de desafiar os alunos. O principal papel dos professores no processo de ensino-aprendizagem é desafiar os conceitos já aprendidos pelos educandos, para que eles se reconstruam mais ampliados e consistentes, tornando-se assim mais inclusivos com relação a novos conceitos. Quanto mais elaborado e enriquecido é um conceito, maior possibilidade ele tem de servir de parâmetro para a construção de novos conceitos. Isso significa dizer que, quanto mais sabemos, mais temos condições de aprender.

Quando problematizamos, abrimos as possibilidades de aprendizagem, uma vez que os conteúdos não são tidos como fins em si mesmos, mas como meios essenciais na busca de respostas. Os problemas têm a função de gerar conflitos cognitivos nos alunos (desequilíbrios) que provoquem a necessidade de empreender uma busca pessoal. Esse desafio a que nos referimos não precisa ser algo extraordinário, o essencial é cumprir o papel de “causar sede”. Podemos promover um desafio com uma simples pergunta: “Por que letras diferentes possuem o mesmo som e a mesma letra pode produzir sons diferentes?”. Outras vezes, uma situação se presta muito bem para promover tal desequilíbrio, como a simples mudança de lugar de uma vírgula num pequeno texto, criando sentidos completamente diferentes. Outras atividades, como apresentação de um recorte de jornal, de uma fotografia, de uma cena de um filme ou de uma pequena estória, igualmente se prestam como excelentes desafios.

A segunda postura docente aconselhável para que passemos a formar mais pessoas em condições de resolver problemas é perseguir a aprendizagem profunda dos conceitos e não aceitar aprendizagens superficiais. É indispensável, para que haja uma aprendizagem significativa, que os alunos se predisponham a aprender significativamente. Vem daí a necessidade de “despertarmos a sede”. Uma pesquisa feita na década de 1980 com um universo de cerca de 800 alunos do Ensino Médio chegou à conclusão de que dois tipos de predisposição eram presentes entre eles: a aprendizagem superficial e a aprendizagem profunda (nomes dados pelos próprios alunos).

A aprendizagem superficial ocorre quando a intenção do educando limita-se a preencher os requisitos da tarefa. Assim, mais importante do que a compreensão do conteúdo é prever o tipo de pergunta que possa ser formulada sobre ele, aquilo que o professor julgará importante. O foco é transferido da importância real do conteúdo para as exigências que serão feitas sobre ele. A aprendizagem superficial ocorre, então, quando há a intenção principal de cumprir os requisitos da tarefa. Como consequência, ocorre a memorização de informações necessárias para testes e provas. A tarefa é encarada como imposição externa.

Não há reflexão sobre propósitos ou estratégias, e o foco é colocado em elementos soltos, sem integração. O aluno sabe que tem que conhecer como ocorre o processo de formação de palavras, tem que saber descrevê-lo, tem que saber os principais prefixos e sufixos, mas “não faz contato” com a importância de conhecer esse processo para que possa facilitar ações cotidianas simples, como separar sílabas, por exemplo.

É preciso levar em consideração que esses enfoques se aplicam à forma de abordar a tarefa, e não ao estudante. Significa dizer que um aluno pode modificar seu enfoque de uma tarefa para a outra ou de um professor para o outro, embora sejam observadas tendências para o uso de enfoques profundos e superficiais. É possível que o mesmo aluno aprenda superficialmente Língua Portuguesa e profundamente a Matemática. O que determina seu empenho é a disponibilidade interna para a aprendizagem.

A aprendizagem profunda ocorre quando a intenção dos alunos é entender o significado do que estudam, o que os leva a relacionar o conteúdo com aprendizagens anteriores, com suas experiências pessoais, o que, por sua vez, os leva a avaliar o que vai sendo realizado e a perseverar, até conseguirem um grau aceitável de compreensão sobre o assunto. A aprendizagem profunda se torna real, então, quando há a intenção de compreender o conteúdo, e por isso há forte interação com o mesmo, através do constante exame da lógica dos argumentos apresentados.

O que faz com que um aluno mostre maior ou menor disposição para resolver problemas? Digamos que é um misto de condições que pertencem ao universo do aluno e questões que pertencem à própria situação de ensino, ao “contexto físico” da aprendizagem, que é resultante da predisposição do professor em promover uma aprendizagem superficial ou profunda. Perseguir, pois, uma aprendizagem profunda significa organizar os elementos que compõem a situação de ensino de forma motivadora e desafiadora e cuidar da relação pessoal com os alunos para que ela possa ser suporte para que desperte, no universo do aluno, um panorama favorável ao “mergulho necessário” a uma efetiva resolução de problemas que possa fundamentar a construção de significados cientificamente aceitos.

Por fim, é preciso que nós, professores, paremos de dar respostas. Aprender é fruto de esforço. Esse esforço precisa ser a busca de uma solução, de uma resposta que nos satisfaça e nos reequilibre. À medida que nos preocupamos mais em dar respostas do que fazer perguntas, estaremos evitando que o aluno faça o necessário esforço para aprender. Eis o passaporte para a acomodação cognitiva. Dar a resposta é contar o final do filme. Poupa o sofrimento de vivenciar a angústia de imaginar diferentes e possíveis situações, de exercitar o modelo de ensaio-e-erro; enfim, poupa o aluno do exercício da construção de significados.

Num contexto de “mundo pronto”, a resposta fazia sentido. Num contexto de “mundo em construção”, a resposta impede a aprendizagem. Se num mundo dinâmico paramos de buscar, saímos da sintonia desse mundo e nos desconectamos do processo global de desenvolvimento. Diante dessa realidade, o desejo, a vontade, a curiosidade e a disponibilidade interna para aprender ganham especial importância.

Segundo Freinet, está fadado ao fracasso todo método que tentar fazer beber água o cavalo que não tem sede. Essa máxima nos remete à profunda reflexão sobre a importância do papel do sujeito que aprende. Mais ainda, remete-nos à reflexão sobre o papel do professor como “provocador da sede”. Na escola, informações são passadas sem que os alunos tenham necessidade delas; logo, nossa função principal como professores é a de gerar questionamentos, dúvidas, criar necessidade, e não apresentar respostas.

Parar de dar muitas instruções é outro cuidado fundamental. Quanto mais instruções dermos, mais seguidores de instruções formaremos. Não que as instruções tenham sido banidas do mundo atual, o uso da tecnologia deixa-nos “atados” aos manuais, por exemplo. Refiro-me à pouca presença da autonomia na sala de aula. Quando um professor detalha minuciosamente as orientações que acompanham uma tarefa e faz um acompanhamento passo a passo de cada etapa para que todos possam caminhar juntos, ele está favorecendo a dependência dos alunos, e não sua autonomia. Nesses casos, os alunos não se preocupam muito em compreender o que fazem, mas, sim, em seguir as instruções do professor, o que lhes vai garantir êxito.

A formação de cidadãos “resolvedores de problemas” está ligada à possibilidade de os alunos tomarem decisões racionais sobre o planejamento de seu trabalho. Responsabilizando-se por suas tarefas e conhecendo os critérios através dos quais serão avaliados, os alunos poderão regular suas decisões e se apropriar da atividade.

Cuidado, porém, com os excessos! Não dar muitas instruções não corresponde a adotar a teoria do “te vira”. Precisamos fornecer as instruções necessárias, incentivar as decisões coerentes e questionar as decisões descabidas. Aprendizagem significativa não necessita de proteção, mas, sim, de cuidado.

Júlio Furtado é graduado em Geografia, Pedagogia e Psicologia, pós-graduado em Orientação Educacional, Gestalt-terapia e Dinâmica de Grupo, especialista em PNL (Programação Neurolinguística), diplomado em Psicopedagogia pela Universidade de Havana/Cuba, Mestre em Educação pela UFRJ, Doutor em Ciências da Educação pela Universidade de Havana/Cuba e professor universitário (graduação e pós-graduação).

Link da publicação completa: http://www.juliofurtado.com.br/educarpararesolverproblemas.pdf


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