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  • Sueli Conte

Bastidores de uma escola


Nos dias de hoje, seguramente, não existe questão mais estratégica e, por isso, polêmica e apaixonante que a escola. Ela nos angustia e nos confunde pelo impacto, a todo momento, da ideia de que a Educação é a senha de acesso ao futuro. No entanto, vemo-nos diante de uma escola que nos deixa insatisfeitos e tentamos nos convencer da importância decisiva dessa instituição, embora desiludidos com a realidade tão presente.

A escola tem se transformado num ponto estratégico e polêmico entre a civilidade e uma condição menos polida. A mídia e as ações governamentais e não governamentais provavelmente a culpam pela imaturidade de jovens e adolescentes.

Quem já não se questionou sobre esse tema? Sobretudo as famílias, diante da necessidade de escolherem a próxima escola para seus filhos. Quem, entre os educadores, já não se viu apostando em novas possibilidades para os métodos de gestão escolar que compensassem as falhas do sistema educacional, ambicionando salvar a escola, recuperando-a plenamente?

Quem já não se surpreendeu divagando sobre a necessária reposição da escola, que nos últimos tempos parece naturalizar a crise, de fato existente, dessa instituição, em nome de uma ideologia que hipervaloriza a educação escolar como caminho mais adequado para o êxito profissional?

Na verdade, trata-se de um paradoxo: tudo está difícil no campo da Educação, mas é impossível visualizar saídas que não passem pela escola. Por convicção cultural, valorizamos a escola que não temos — a escola em si —, embora a sociedade informatizada tenha sancionado a Educação como ferramenta do sucesso e plataforma para uma efetiva reforma cultural.

Costumamos criticar a escola que conhecemos hoje porque ela não parece reunir condições de enfrentar esta época de transição, paradoxos e incertezas e porque é resultado vivo de muitas políticas casuísticas, de certa perda da capacidade coletiva de se empenhar ativamente pela escola.

As dúvidas quanto a essa escola talvez ainda existam por ser um campo de expectativas mal dimensionadas por parte de professores e alunos ou dos pais, que nela projetam esperanças de oferta de educação que poderia se originar na própria dinâmica familiar.

Naturalmente, a qualidade de uma instituição escolar depende, em grande parte, do modo como ela enfoca o processo de condução das atividades que se desenvolvem nas salas de aula, pois a escola não é somente o lugar onde se realiza o processo de ensino-aprendizagem, mas também uma oportunidade de empregar e promover valores humanos e, especialmente, a capacidade dos professores de estimular a diligência de seus alunos. Diante disso, podemos formular algumas perguntas:

• Como conseguir um ambiente de trabalho mais harmônico? • Como conseguir a integração dos alunos na sala de aula? • Como promover a disciplina? • Como agir diante de condutas que podem ser consideradas irregulares e que perturbam o direito de outros alunos?

O problema não é simples, a resposta inicial vai além dos muros da escola, abrangendo a família. Como exemplo, é preciso observar a figura dos pais, sobre os quais, atualmente, existem alguns aspectos a se considerar, como é o caso dos que precisam trabalhar durante o dia todo, ausentando-se de maneira inapropriada da vida escolar de seus filhos.

No que diz respeito às mães, enquanto algumas têm o privilégio de participar ativamente da vida de seus filhos — dedicando-se com excelência aos interesses de sua família e das pessoas à sua volta, prontas a acolher, ensinar e prover, principalmente quanto à educação de seus filhos —, outras precisam colaborar no sustento da família, tendo de se dedicar também à vida profissional. Muitas vezes, com a necessidade de aprimorar seus conhecimentos visando à conquista de um rendimento maior, voltam a estudar e delegam o cuidado dos filhos a outra pessoa ou a algum parente próximo.

Diante de tantas expectativas sobre o próprio desempenho profissional, familiar e pessoal, essas mães se veem em conflito para gerenciar o tempo nessas atividades.

Quanto aos pais, alguns se prontificam a colaborar nas atividades diárias de seus filhos, embora ainda sejam raridade mesmo nos dias atuais, porque essa também é uma questão cultural, que repete o comportamento familiar anterior em relação a homens que não foram educados para desempenhar essa função e por isso necessitam de modificações em seu comportamento habitual.

Por outro lado, muitas vezes trabalhando mais de 8 horas por dia, evidentemente, mães e pais sentem-se cansados ao final do período, sem condição de dar a devida atenção aos seus filhos, dispondo de pouco tempo para eles. Entretanto, amar se aprende amando, e para ser mãe ou pai é preciso praticar. Segundo Freud, todos os nossos problemas derivam do precioso tempo com a família, no qual pais e filhos desenvolvem relações afetivas.

Há pessoas que têm o dom para ser pai ou mãe e exercem com naturalidade a função, sem jamais perder a ternura. São afetuosos, mesmo que, por vezes, tenham de puxar a orelha do filho ou colocá-lo de castigo, porque sabem que quem ama também impõe limites.

Por outro lado, alguns pais são desatentos em relação aos filhos, como presenciei certa vez, quando a mãe de um de nossos alunos, na época com 4 anos de idade, deixou o filho na escola, como normalmente fazia; mais tarde, ao final do período, fui avisada pelo motorista do transporte escolar que não tinha ninguém em casa para receber aquela criança. Sem entender, solicitei-lhe que a deixasse no colégio e fiquei com ela até as 7 horas da manhã do dia seguinte, quando a levei de volta para casa, porque meus contatos com a mãe, até aquele momento, não haviam sido atendidos. Para meu espanto, a mãe me disse que tinha ido a uma balada e só havia retornado às 4 horas da manhã, alegando pensar que alguém ficaria com seu filho, caso ela não chegasse a tempo. Conversando com ela, percebi sua falta de compromisso e a imaturidade com relação ao filho.

Quando os pais são descuidados, seus filhos tendem a apresentar problemas emocionais, de comportamento e desenvolvimento. Da mesma forma, pais permissivos fazem com que os filhos cresçam sem regras e limites, o que poderá ocasionar sérios problemas de comportamento.

Na escola, além de o professor se posicionar profissionalmente, transmitindo o conteúdo programático, deve ter dom, missão, educação, didática, ser honesto e saber lidar com esse tipo de pai ou mãe, muitas vezes imaturo, inocente e despreparado para atender aos filhos que são fruto de uma relação conflituosa entre educação e liberdade, apresentando diversos problemas na escola, desde os mais simples, como não querer assistir à aula de um determinado professor, aos mais complexos, como agressão aos colegas, professores e à instituição de educação em geral. Nessa mescla, o educador desempenha funções que a princípio não lhe cabem, como, por exemplo, de assistente social, enfermeiro, psicólogo, confidente, entre outras.

Quando se estabelecem relações familiares conflituosas, com certeza a escola será um problema para o filho que desconhece limites e regras. Diante disso, o educador e a escola se veem na necessidade de arcar com a tarefa de corrigir a criança ou o jovem, preparando-os para o mundo que os recebe no vestibular, primeiro emprego, nas ferozes torcidas organizadas, nas drogas e nos comportamentos fora dos padrões sociais aceitáveis.

Quem perde com tudo isso é a Educação propriamente dita e a sociedade, que irá conviver com um adolescente desajustado diante da própria vida, com a violência geral. Alguns pais mal preparados costumam culpar a escola e os professores e, por esse motivo, transferem aos filhos suas próprias falhas; aqueles precisam de auxílio e apoio tanto quanto estes.

Seria mais fácil se esses pais reconhecessem que se sentem desamparados em relação à educação dos filhos e não sabem como agir e que deveriam pedir ajuda para reconquistá-los, tentando entender o quanto podem aprender a respeitar e ser respeitados aliando-se à escola na busca da solução dos problemas, ao invés de considerá-la como inimiga.

Quando chamados à escola pela coordenadora pedagógica, ao constatarem a repreensão aos seus filhos, alguns pais e mães se colocam de forma enfática, sem perceberem que, pela necessidade de sua sobrevivência e suas dificuldades, se esqueceram da necessidade diária de amor do filho e passam a defendê-los, totalmente sem rumo, fechando os olhos para as orientações que recebem da escola, preferindo mascarar a situação, correndo do embate e perdendo a oportunidade de serem acolhidos e auxiliados na solução dos problemas, juntamente com o filho.

Muitas vezes, pela demora em se conscientizar da verdade, esses pais se surpreendem ao verem seus filhos envolvidos em graves problemas, vagando pelas ruas e com más companhias. Atualmente, tem sido difícil para um educador tentar executar, por meio do conteúdo de uma matéria e da pragmática pedagógica, uma função que não é dele: reeducar o adolescente que não trouxe de casa valores básicos, como dar e receber atenção, e que é ainda imaturo diante das regras e/ou dos limites impostos pela instituição educacional. Ao contrário do que se espera, esses alunos vêm preparados para confrontos pessoais e em grupo.

Pais despreparados, filhos imaturos

Pais emocionalmente despreparados, que convivem com brigas, crises conjugais, sociais, profissionais e/ou financeiras, muitas vezes não percebem que seus filhos crescem com amigos e inimigos, com conflitos gerados por informações transmitidas pela mídia, Internet e todo o tipo de infortúnio.

Gerar filhos é uma responsabilidade para a vida toda, pois educar dá trabalho e exige atenção. Os pais precisam saber que os filhos, embora ainda sejam crianças, já conseguem divisar quando a casa está desarmonizada e não atende aos seus questionamentos e também sabem quando os pais estão ocupados demais para prestarem atenção aos seus anseios.

Na confusão desses relacionamentos, as crianças e os jovens procuram novos espelhos para moldarem sua personalidade, alguns bons, outros ruins, fazendo com que esses momentos — em que a família está à beira de um estresse e que a criança ou o adolescente perde a referência, sem saber qual o melhor caminho a seguir — sejam um risco para que os filhos encontrem outro amigo com a mesma perspectiva e, juntos, sigam para a beira do abismo emocional, colocando em perigo a integridade do próprio valor familiar e social, que se afunila na escola.

Não tendo diálogo com os pais, caberá ao educador receber esse filho, com seus estigmas e sequelas, ficando atento para amparar, acolher, educar pelo afeto, pela amizade e aproximação com os alunos, esquecendo-se um pouco dos livros, tornando-se um amigo pronto para ouvir incondicionalmente.

Em geral, a escola recebe mais alunos com desordem emocional. Oriundos de famílias desestruturadas, esses alunos necessitarão de amparo educacional, numa sintonia entre educar os filhos e acolher os pais, ensinando e aprendendo com eles a como lidar com essas crianças ou esses adolescentes, que necessitam de mais atenção.

A Educação deve ter início na família, mas nem por isso a escola será desvinculada desse processo, pois, em termos gerais, ela está agregada à criança quando a família lhe transfere, por algumas horas, a guarda física, social e cultural do filho.

Independentemente da condição socioeconômica, uma boa educação familiar deve acontecer baseada em diálogo e amor. As famílias precisam ser mais transparentes e deixar de escolher os problemas para parecerem socialmente perfeitas, pois sabemos que uma boa educação não acontece sem os conflitos entre ideias e ideais, pelo fato de que as pessoas são diferentes por natureza. Quando a família assume essa postura de mascarar a realidade, torna-se incapaz de ajudar a escola a resolver o problema do filho.

A sociedade também colabora, e muito, com a situação-problema, por meio da crise moral, da impunidade, do consumismo, do desemprego generalizado, da má-formação do clã, etc. Isso interfere e piora tudo. Os pais devem buscar ajuda quando perdem o controle sobre os filhos, embora tenham vergonha de fazê-lo, como se isso fosse um atestado de incompetência. Mas, nesse caso, estão completamente equivocados.

Particularmente, eu nunca soube que escola estraga aluno de tal maneira que ele não possa ser recuperado nem que um eventual problema de percurso não possa ser sanado no curto prazo.

A maior parte dos pais da nova geração é fruto de educação com punições graves e a transmite aos filhos, que acabam por apresentar problemas sociais e emocionais. Segundo Augusto Cury, se você conseguir fazer seus filhos sonharem, terá um tesouro que muitos reis procuraram e não conquistaram.

Pais imaturos emocionalmente acabam gerando filhos que, depois de definitivamente perdidos, se tornam marginalizados socialmente. Embora tudo culmine na escola, existem várias pesquisas com marginais condenados cumprindo pena em casas de detenção. São raros os casos em que os sentenciados não têm problemas com sua origem familiar, e em nenhum caso o problema teve início na escola ou foi fruto de uma escola negligente ou despreparada, senão de um longo e sucessivo caminho de erros e falta de estabelecimento de valores, moral e de conduta incorreta diante das situações impostas pela vida.

Todos sofrem com isso, inclusive a escola e a nação, porque o professor não foi formado para dar educação, no sentido de caráter, aprovação ou estrutura pessoal em si, mas para lecionar com competência o conteúdo escolar, de maneira ética, dinâmica, e para comandar aulas didaticamente interessantes. O professor até deve ser ético-humanista, sem utilizar métodos punitivos ou corretivos, não importando a origem familiar dessas crianças nem a preparação de seus pais para assumir o papel de genitores.

Apesar de tudo, acredito que a escola deve estar preparada para receber com responsabilidade e compromisso as crianças de todas as comunidades, classes sociais, culturais, étnicas e religiosas. Devemos compreendê-las em toda a sua complexidade, respeitando a bagagem que trazem, tomando o maior cuidado para não impor um modelo que julgamos ser correto. A escola deve fornecer ferramentas ao aluno para que ele possa combater a perpetuação de preconceitos, embora, para esse feito, o método pronto não resolva.

Por mais que uma fórmula tenha apresentado bons resultados em outras escolas e com outras crianças, utilizá-la não quer dizer que dará certo novamente. Acredito que todo método predefinido é algo dominador, e esperar que todos reajam da mesma maneira é impor uma vontade deliberada, de modo que aqueles que não responderem bem a essa fórmula serão tachados de desordeiros ou baderneiros.

É muito importante manter viva a curiosidade e o questionamento sem negatividade nessas crianças, assim como em qualquer outra pessoa. É justamente isso o que fará a diferença em seu processo de conhecimento, pois muitos são capazes de copiar informações e reproduzi-las, embora algumas pessoas que deixaram legados dignos de consideração para a humanidade tenham sido transgressoras de sua época por não se enquadrarem nesse modelo. Elas pensavam, criavam, e isso, a princípio, assusta. Sempre penso nisso quando me apontam um aluno que não se enquadra no chamado modelo. E pedir a esse aluno que o faça é privá-lo da liberdade de pensar e de questionar.

O escritor Augusto Cury diz o seguinte: “Há um mundo a ser descoberto dentro de cada criança e de cada jovem. Só não consegue descobri-lo quem está encarcerado dentro de seu próprio mundo”.

É claro que limites são necessários, ainda que não devam ser confundidos com opressão. Somente a liberdade gera inquietação, curiosidade e criticidade, que conduzem ao verdadeiro conhecimento, que, por sua vez, requer disposição de pensamento, reflexão, expressão, etc.

Segundo Fernando Abrucio, Doutor em Ciência Política, pesquisas no Brasil e no exterior apontam o quanto o desempenho educacional está relacionado à família e à comunidade. Filhos de pais atentos, que acompanham seus estudos, têm minimizadas as chances de fracassar na escola, apresentando desempenho escolar além das expectativas.

Nesse processo de estabelecer metas para um aprendizado significativo, fica claro o quanto parcerias estabelecidas entre sociedade, escolas, diretores e professores são importantes para melhorar a qualidade de ensino, pois, como retorno de ações cobrado pela sociedade, as escolas se empenharão em estabelecer metas dentro do processo pedagógico para que possam melhorar a qualidade de ensino.

Sobre a autora: Sueli Conte é gestora do Colégio Renovação, professora, psicopedagoga, psicóloga e Mestre em Educação pela PUC/SP.

Endereço eletrônico: sueli@renovacao.com.br

In. CONTE, Sueli. Bastidores de uma Escola: Entenda por que a Interação entre a Escola e a Família É Imprescindível no Processo Educacional. São Paulo: Gente, 2009.


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